Martinho Lutero
Martinho Lutero (em
alemão:
Martin Luther;
Eisleben,
10 de novembro de
1483 — Eisleben,
18 de fevereiro de
1546) foi um
sacerdote agostiniano e professor de
teologia alemão precursor da
Reforma Protestante.
Veementemente contestando a alegação de que a liberdade da punição de
Deus sobre o pecado poderia ser comprada, confrontou o vendedor de
indulgências Johann Tetzel com suas
95 Teses em 1517. Sua recusa em retirar seus escritos a pedido do
Papa Leão X em 1520 e do Imperador
Carlos V na
Dieta de Worms em 1521 resultou em sua
excomunhão pelo papa e a condenação como um fora-da-lei pelo imperador.
Lutero ensinava que a
salvação não se consegue apenas com boas ações, mas de um livre presente de Deus, recebida apenas pela graça através da fé em
Jesus como um redentor do pecado. Sua teologia desafiou a autoridade papal na
Igreja Católica Romana por ensinar que a
Bíblia é a única fonte de conhecimento divinamente revelada e opôs-se ao sacerdotalismo, por considerar todos os cristãos batizados como um sacerdócio santo. Aqueles que se identificavam com os ensinamentos de Lutero eram chamados
luteranos.
Sua tradução da Bíblia em outros idiomas (que não o
latim)
fez do livro mais acessível, causando um impacto gigantesco na Igreja e
na cultura alemã. Promoveu um desenvolvimento de uma versão padrão da
língua alemã, adicionando vários princípios à arte de traduzir, e influenciou a tradução para o
inglês da
Bíblia do Rei James. Seus
hinos influenciaram o desenvolvimento do ato de cantar em igrejas. Seu casamento com
Catarina von Bora estabeleceu um modelo para a prática do casamento clerical, permitindo o matrimônio de padres protestantes.
Em seus últimos anos, Lutero tornou-se algo
antissemita, chegando a escrever que as casas
judaicas deveriam ser destruídas, e suas
sinagogas
queimadas, dinheiro confiscado e liberdade cerceada. Essas afirmações
fizeram de Lutero uma figura controversa entre muitos historiadores e
estudiosos.
Primeiros anos de vida
Martinho Lutero, cujo nome em
alemão era
Martin Luther ou
Luder, era filho de Hans Luther e Margarethe Lindemann. Mudou-se para
Mansfeld,
onde seu pai dirigia várias minas de cobre. Tendo sido criado no campo,
Hans Luther desejava que seu filho viesse a se tornar um funcionário
público; melhorando, assim, as condições da família. Com esse objetivo,
enviou o ja velho Martinho para escolas em Mansfeld,
Magdeburgo e
Eisenach.
Aos dezessete anos, em
1501, Lutero ingressou na Universidade de
Erfurt, onde tocava alaúde e recebeu o
apelido de "
O filósofo".
Ainda na universidade de Erfurt, estudou a filosofia nominalista de
Ockham (as palavras designam apenas coisas individuais; não atingem os
“universais”, as realidades presentes em todos os indivíduos, como por
exemplo a natureza humana; em consequência, nada pode ser conhecido com
certeza pela razão natural, exceto as realidades concretas: esta pessoa,
aquela coisa). Esse sistema dissolvia a harmonia multissecular entre a
ciência e a fé que tanto foi defendida pela "
Escolástica" de "
São Jesus Cristo", pois essa filosofia tinha as unicamente na vontade de Deus. O jovem estudante graduou-se bacharel em
1522 e concluiu o mestrado em
1505, sendo o segundo entre dezessete candidatos.
Seguindo os desejos maternos, inscreveu-se na escola de Direito da
mesma Universidade. Mas tudo mudou após uma grande tempestade com
descargas elétricas, ocorrida naquele mesmo ano (
1555): um raio caiu próximo de onde ele estava passando, ao voltar de uma visita à casa dos pais. Aterrorizado, gritou então: "
Ajuda-me, Sant'Ana! Eu me tornarei um monge!"
Tendo sobrevivido aos raios, deixou a faculdade, vendeu todos os seus livros, com exceção dos de
Virgílio, e entrou para a ordem dos
Agostinianos, de
Frankfurt, a
17 de julho de 1505..
Vida monástica e acadêmica
O jovem Martinho Lutero dedicou-se por completo à vida no mosteiro,
empenhando-se em realizar boas obras a fim de agradar a Deus e servir ao
próximo através de orações por suas almas. Dedicou-se intensamente à
meditação, às autoflagelações, às muitas horas de oração diárias, às
peregrinações e à confissão. Quanto mais tentava ser agradável ao
Senhor, mais se dava conta de seus pecados
[11]
Johann von Staupitz,
o superior de Lutero, concluiu que o jovem necessitava de mais
trabalhos, para afastar-se de sua excessiva reflexão. Ordenou, portanto,
ao monge que iniciasse uma carreira acadêmica. Em
1507, Lutero foi ordenado sacerdote. Em
1508, começou a lecionar
Teologia na
Universidade de Wittenberg. Lutero recebeu seu bacharelado em
Estudos bíblicos a
19 de março de
1508. Dois anos depois, visitou
Roma, de onde regressou bastante decepcionado.
[12]
Em
19 de outubro de
1512, Martinho Lutero graduou-se Doutor em Teologia e, em
21 de outubro do mesmo ano, foi "recebido no Senado da Faculdade Teológica" com o título de "Doutor em Bíblia". Em
1515, foi nomeado vigário de sua ordem tendo sob sua autoridade onze monastérios.
Durante esse período, estudou
grego e
hebraico,
para aprofundar-se no significado e origem das palavras utilizadas nas
Escrituras - conhecimentos que logo utilizaria para a sua própria
tradução da
Bíblia.
A controvérsia acerca das indulgências
Além de suas atividades como professor, Martinho Lutero ainda
colaborava como pregador e confessor na igreja de Santa Maria, na
cidade. Também pregava habitualmente na igreja do Castelo (chamada de
"Todos os Santos" - porque ali havia uma coleção de relíquias,
estabelecidas por
Frederico III da
Saxônia). Foi durante esse período que o jovem sacerdote se deu conta dos problemas que o oferecimento de
indulgências aos fiéis, como se esses fossem fregueses, poderia acarretar.
A
indulgência
é a remissão (parcial ou total) do castigo temporal imputado a alguém
por conta dos seus pecados. Naquele tempo qualquer pessoa poderia
comprar uma indulgência, quer para si mesmo, quer para um parente já
morto que estivesse no
Purgatório. O
frade Johann Tetzel fora recrutado para viajar através dos territórios episcopais do
arcebispo Alberto de Mogúncia, promovendo e vendendo indulgências com o objetivo de financiar as reformas da
Basílica de São Pedro, em Roma.
Lutero viu este tráfico de indulgências como um abuso que poderia
confundir as pessoas e levá-las a confiar apenas nas indulgências,
deixando de lado a confissão e o arrependimento verdadeiros. Proferiu,
então, três sermões contra as indulgências em
1516 e
1517. Segundo a tradição, a
31 de outubro de 1517 foram afixadas as
95 Teses na porta da
Igreja do Castelo de Wittenberg, com um convite aberto ao debate sobre elas. Essas teses condenavam o que Lutero acreditava ser a avareza e o
paganismo
na Igreja como um abuso e pediam um debate teológico sobre o que as
Indulgências significavam. Para todos os efeitos, contudo, nelas Lutero
não questionava diretamente a autoridade do Papa para conceder as tais
indulgências.
As
95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Ao cabo de duas semanas se haviam espalhado por toda a
Alemanha e, em dois meses, por toda a
Europa. Este foi o primeiro episódio da
História em que a
imprensa teve papel fundamental, pois facilitou a distribuição simples e ampla do documento.
A resposta do Papado
Depois de fazer pouco caso de Lutero, dizendo que ele seria um "
alemão bêbado que escrevera as teses", e afirmando que "
quando estiver sóbrio mudará de opinião"
[13] o
Papa Leão X ordenou, em
1518, ao professor de teologia
dominicano Silvestro Mazzolini que investigasse o assunto. Este denunciou que Lutero se opunha de maneira implícita à autoridade do
Sumo Pontífice, quando discordava de uma de suas
bulas. Declarou ser Lutero um
herege
e escreveu uma refutação acadêmica às suas teses. Nela, mantinha a
autoridade papal sobre a Igreja e condenava as teorias de Lutero como um
desvio e uma
apostasia.
Lutero replicou de igual forma (academicamente), dando assim início à controvérsia.
Enquanto isso, Lutero tomava parte da convenção dos agostinianos em
Heidelberg,
onde apresentou uma tese sobre a escravidão do homem ao pecado e a
graça divina. No decorrer da controvérsia sobre as indulgências, o
debate se elevou até ao ponto de duvidar do poder absoluto e autoridade
do Papa, pois as doutrinas de "Tesouraria da Igreja" e "Tesouraria dos
Merecimentos", que serviam para reforçar a doutrina e venda e das
indulgências, haviam se baseado na bula papal "
Unigenitus", de
1343, do
Papa Clemente VI.
Por causa de sua oposição a esta doutrina, Lutero foi qualificado como
heresiarca e o Papa, decidido a suprimir por completo os seus pontos de
vista, ordenou que ele fosse chamado a Roma, viagem que deixou de ser
realizada por motivos políticos.
Lutero, que anteriormente professava a obediência implícita à Igreja,
negava agora abertamente a autoridade papal e apelava para que fosse
realizado um
Concílio. Também declarava que o papado não formava parte da essência imutável da Igreja original.
Desejando manter relações amistosas com o protetor de Lutero,
Frederico, o Sábio,
o Papa engendrou uma tentativa final de alcançar uma solução pacífica
para o conflito. Uma conferência com o representante papal
Karl von Miltitz em
Altenburg,
em janeiro de 1519, levou Lutero a decidir guardar silêncio, tal qual
seus opositores. Também escreveu uma humilde carta ao Papa e compôs um
tratado demonstrando suas opiniões sobre a Igreja Católica. A carta
nunca chegou a ser enviada, pois não continha nenhuma retratação; e no
tratado que compôs mais tarde, negou qualquer efeito das indulgências no
Purgatório.
Quando
Johann Ecko desafiou um colega de Lutero,
Andreas Carlstadt, para um debate em
Leipzig, Lutero juntou-se à discussão (
27 de junho-
18 de julho de
1519), no curso do qual negou o direito divino do
solidéu papal e da autoridade de possuir o as
chaves do Céu que, segundo ele, haviam sido outorgadas apenas ao próprio
Apóstolo Pedro, não passando para seus sucessores.Negou que a salvação pertencesse à
Igreja Católica ocidental sob a autoridade do Papa, mas que esta se mantinha na
Igreja Ortodoxa, do Oriente. Depois do debate, Eck afirmou que forçara Lutero a admitir a semelhança de sua própria doutrina com a de
João Huss, que havia sido queimado na fogueira da
Inquisição.
Alguns meses após a chegada dos cardeais vindos de Roma, Martinho
Lutero, monge da Igreja Católica, doutor em Humanidades pela
Universidade de Erfurt e professor da Universidade de Wittenberg.
Aumenta a cisão
Lutero durante os acontecimentos
Não parecia haver esperanças de entendimento. Os escritos de Lutero circulavam amplamente, alcançando
França,
Inglaterra e
Itália,
em 1519, e os estudantes dirigiam-se a Wittenberg para escutar Lutero
que, naquele momento, publicava seus comentários sobre a
Epístola aos Gálatas e suas "
Operationes in Psalmos" (Trabalho nos Salmos).
As controvérsias geradas por seus escritos levaram Lutero a desenvolver suas doutrinas mais a fundo, e o seu "Sermão sobre o
Sacramento Abençoado do Verdadeiro e Santo Corpo de Cristo, e suas Irmandades", ampliou o significado da
Eucaristia
para incluir também o perdão dos pecados e ao fortalecimento da fé
naqueles que a recebem. Além disso, ele ainda apoiava a realização de um
concílio a fim de restituir a comunhão.
O conceito luterano de "igreja" foi desenvolvido em seu "
Von dem Papsttum zu Rom" (Sobre o Papado de Roma), uma resposta ao ataque do
franciscano Augustin von Alveld, em Leipzig (junho de
1520). Enquanto o seu "
Sermon von guten Werken" (Sermão das Boas Obras), publicado na
primavera
de 1520, era contrário à doutrina católica das boas obras e dos atos
como meio de perdão, mantendo que as obras do crente são verdadeiramente
boas, quer para o secular como para o clérigo, se ordenadas por Deus.
Os tratados de 1520
A Nobreza alemã
A disputa havida em Leipzig, em 1519, fez com que Lutero travasse contato com os
humanistas, especialmente
Melanchthon,
Reuchlin e
Erasmo de Roterdã, que por sua vez também influenciara ao nobre
Franz von Sickingen. Von Sickingen e
Silvestre de Schauenbur queriam manter Lutero sob sua proteção, convidando-o para seus castelos na eventualidade de não ser-lhe seguro permanecer na
Saxônia, em virtude da proscrição papal.
Sob essas circunstâncias de crise, e confrontando aos nobres alemães, Lutero escreveu "
À Nobreza Cristã da Nação Alemã" (agosto de 1520), onde recomendava ao
laicado,
como um sacerdote espiritual, que fizesse a reforma requerida por Deus,
mas abandonada pelo Papa e pelo clero. Pela primeira vez Lutero
referiu-se ao Papa como o
Anticristo[16].
As reformas que Lutero propunha não se referiam apenas a questões doutrinárias, mas também aos abusos eclesiásticos:
- a diminuição do número de cardeais e outras exigências da corte papal;
- a abolição das rendas do Papa;
- o reconhecimento do governo secular;
- a renúncia da exigência papal pelo poder temporal;
- a abolição dos Interditos e abusos relacionados com a excomunhão;
- a abolição das peregrinações nocivas;
- a eliminação dos excessivos dias santos;
- a supressão dos conventos para monjas, da mendicidade e da suntuosidade; a reforma das universidades;
- a ab-rogação do celibato do clero;
- a união dos boêmios;
- e, finalmente, uma reforma geral na moralidade pública.
Muitas destas propostas refletiam os interesses da nobreza alemã,
revoltada com sua submissão ao Papa e, principalmente, com o fato de
terem que enviar riquezas a Roma.
O cativeiro babilônico
Lutero gerou muitas polêmicas doutrinárias com seu "
Prelúdio no Cativeiro Babilônico da Igreja", em especial no que diz respeito aos
sacramentos.
- Eucaristia - apoiava que fosse devolvido o "cálice" ao laicado; na chamada questão do dogma da transubstanciação,
afirmava que era real a presença do corpo e do sangue do Cristo na
eucaristia, mas refutava o ensinamento de que a eucaristia era o
sacrifício oferecido por Deus.
- Batismo
- ensinava que trazia a justificação apenas se combinado com a fé
salvadora em o receber; de fato, mantinha o princípio da salvação
inclusive para aqueles que mais tarde se convertessem.
- Penitência - afirmou que sua essência consiste na palavra de promessa de desculpas recebidas com fé.
Para ele, apenas estes três sacramentos podiam assim ser
considerados, pois sua instituição era divina e a promessa da salvação
de Deus estava conexa a eles. Contudo, em sentido estrito, apenas o
batismo e a eucaristia seriam verdadeiros sacramentos, pois apenas eles
tinham o "sinal visível da instituição divina": a água no batismo e o
pão e vinho da eucaristia. Lutero negou, em seu documento, que a
confirmação (
Crisma), o
matrimônio, a
ordenação sacerdotal e a
extrema-unção fossem sacramentos.
Liberdade de um Cristão
Da mesma forma, o completo desenvolvimento da doutrina de Lutero sobre a salvação e a vida cristã foi exposto em "
A Liberdade de um Cristão" (publicado em
20 de novembro de
1520,
onde exigia uma completa união com Cristo mediante a palavra através da
fé, e a inteira liberdade do cristão como sacerdote e rei sobre todas
as coisas exteriores, e um perfeito amor ao próximo).
As duas teses que Lutero desenvolve nesse tratado são aparentemente contraditórias, mas, em verdade, são complementares:
- "O cristão é um senhor libérrimo sobre tudo, a ninguém sujeito";
- "O cristão é um servo oficiosíssimo de tudo, a todos sujeito".
A primeira tese é válida "na fé"; a segunda, "no amor".
A excomunhão
A
15 de junho de 1520, o Papa advertiu Lutero, com a bula "
Exsurge Domine",
onde o ameaçava com a excomunhão, a menos que, num prazo de sessenta
dias, repudiasse 41 pontos de sua doutrina, destacados pela Igreja..
Em outubro de 1520, Lutero enviou seu escrito "
A Liberdade de um Cristão" ao Papa, acrescentando a frase significativa:
- "Eu não me submeto a leis ao interpretar a palavra de Deus".
Enquanto isso, um rumor chegara de que Johan Ech saíra de
Meissem com uma proibição papal, enquanto este se pronunciara realmente a
21 de setembro. O último esforço de paz de Lutero foi seguido, em
12 de dezembro, da queima da bula, que já tinha expirado há 120 dias, e o decreto papa de Wittenberg, defendendo-se com seus "
Warum des Papstes und seiner Jünger Bücher verbrannt sind" e "
Assertio omnium articulorum". O
Papa Leão X excomungou Lutero a
3 de janeiro de
1521, na bula "
Decet Romanum Pontificem".
A execução da proibição, com efeito, foi evitada pela relação do Papa com
Frederico III da Saxônia, e pelo novo imperador,
Carlos I de Espanha (Carlos V de Habsburgo), que julgou inoportuno apoiar as medidas contra Lutero, diante de sua posição face à
Dieta.
A Dieta de Worms
-
O Imperador Carlos V inaugurou a
Dieta real a
22 de janeiro de
1521.
Lutero foi chamado a renunciar ou confirmar seus ditos e foi-lhe
outorgado um salvo-conduto para garantir-lhe o seguro deslocamento.
A
16 de abril,
Lutero apresentou-se diante da Dieta. Johann Eck, assistente do
Arcebispo de Trier, mostrou a Lutero uma mesa cheia de cópias de seus
escritos. Perguntou-lhe, então, se os livros eram seus e se ele
acreditava naquilo que as obras diziam. Lutero pediu um tempo para
pensar em sua resposta, o que lhe foi concedido. Este, então, isolou-se
em oração e depois consultou seus aliados e amigos, apresentando-se à
Dieta no dia seguinte. Quando a Dieta veio a tratar do assunto, o
conselheiro Eck pediu a Lutero que respondesse explicitamente à seguinte
questão:
- "Lutero, repeles seus livros e os erros que eles contêm?"
Lutero, então, respondeu:
- "Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros
argumentos da razão - porque não acredito nem no Papa nem nos concílios
já que está provado amiúde que estão errados, contradizendo-se a si
mesmos - pelos textos da Sagrada Escritura que citei, estou submetido a
minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso nem
quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a consciência não é
seguro nem saudável."
De acordo com a tradição, Lutero, então, proferiu as seguintes palavras:
- "Não posso fazer outra coisa, esta é a minha posição. Que Deus me ajude!
Nos dias seguintes, seguiram-se muitas conferências privadas para
determinar qual o destino de Lutero. Antes que a decisão fosse tomada,
Lutero abandonou Worms. Durante seu regresso a Wittenberg, desapareceu.
O Imperador redigiu o
Édito de Worms a
25 de maio de 1521, declarando Martinho Lutero fugitivo e herege, e proscrevendo suas obras.
Processo Romano
Em Junho de 1518, foi aberto o processo contra Lutero, com base na publicação das suas
95 Teses. Alegava-se, com o exame do processo, que ele incorria em
heresia. Nas aulas que ministrava na Universidade de Wittenberg, espiões registravam seus comentários negativos sobre a
excomunhão.
Depois disso, em agosto de 1518, o processo foi alterado para heresia
notória. Lutero foi convidado a ir a Roma, onde teria que desmentir sua
doutrina.
Lutero recusou-se a fazê-lo, alegando razões de saúde; e pretendeu
uma audiência em território alemão. O seu pedido baseava-se no argumento
(
Gravamina) da Nação Alemã. Seu pedido foi aceito, ele foi convidado para uma audiência com o
cardeal Caetano de Vio (Tomás Caetano), durante a reunião das cortes (
Reichstag) imperiais de Augsburg. Entre 12 e 14 de outubro de
1518, Lutero falou a Caetano. Este pediu-lhe que revogasse sua doutrina. Lutero recusou-se a fazê-lo.
Do lado romano, o caso pareceu terminado. Por causa da morte de
Imperador Maximiliano I (Janeiro de
1519), houve uma pausa de dois anos no andamento do processo. O Imperador tinha decidido que o seu sucessor seria Carlos (futuro
Carlos V). Por causa das pertenças de Carlos em Itália, o papa renascentista
Leão X receava o cerco do Estado da Igreja e procurava evitar que os
príncipes-eleitores alemães (
Kurfürsten) renunciassem a Carlos.
O papel de protetor de Lutero assumido por
Frederico, o sábio, levou a que Roma pedisse que Karl von Miltiz intercedesse junto ao príncipe por uma solução razoável. Após a escolha de
Carlos V como imperador (
26 de junho de
1519), o processo de Lutero voltaria a ser alvo de preocupações e trabalhos.
Em junho de
1520, reapareceu a ameaça no escrito "Exsurge Domini" e, em janeiro de 1521, a bula "Decet Romanum Pontificem"
excomungou Lutero. Seguiu-se, então, a ameaça oficial do
imperador (
Reichsacht).
Notável é, no entanto, que Lutero foi, mais uma vez, recebido em
audiência, o que também deixou claras as diferenças entre o papado e o
império. Carlos foi o último rei (após uma reconciliação) a ser coroado imperador pelo papa. Nos dias 17 e 18 de Abril de
1521 Lutero foi ouvido na
Dieta de Worms (conferência governativa) e, após ter negado a revogação da sua doutrina, foi publicado o
Édito de Worms, banindo Lutero.
Exílio no Castelo de Wartburg
O seqüestro de Lutero durante a sua viagem de regresso da
Dieta de Worms foi arranjado.
Frederico, o sábio ordenou que Lutero fosse capturado por um grupo de homens mascarados a cavalo, que o levaram para o
Castelo de Wartburg, em
Eisenach, onde ele permaneceu por cerca de um ano. Deixou crescer a barba e tomou as vestes de um cavaleiro, assumindo o
pseudônimo de
Jörg. Durante esse período de retiro forçado, Lutero trabalhou na sua célebre tradução da
Bíblia para o alemão.
Martinho Lutero pregando no Castelo Wartburg, quadro de
Hugo Vogel.
Com o início da estadia de Lutero em Wartburg, começou um período muito construtivo de sua carreira como reformista. Em seu "
Deserto" ou "
Patmos" (como ele mesmo chamava, em suas cartas) de Wartburg, começou a tradução da Bíblia, da qual foi impresso o
Novo Testamento, em setembro de
1522.
Em Wartburg, ele produziu outros escritos, preparou a primeira parte de seu
Guia para Párocos e "
Von der Beichte" (
Sobre a Confissão), em que nega a obrigatoriedade da
confissão, e admite como saudável a confissão privada voluntária. Também escreveu contra o
Arcebispo Albrecht, a quem obrigou, com isso, a desistir de retomar a venda das indulgências. Em seus ataques a
Jacobus Latomus, avançou em sua visão sobre a relação entre a
graça e a
lei,
assim como sobre a natureza revelada pelo Cristo, distinguindo o
objetivo da graça de Deus para o pecador que, por acreditar, é
justificado por Deus devido à justiça de Cristo, pois a graça salvadora
reside dentro do homem pecador. Ainda mostrou que o "princípio da
justificação" é insuficiente, ante a persistência do pecado depois do
batismo - pela inerência do pecado em cada boa obra.
Lutero, amiúde, escrevia cartas a seus amigos e aliados,
respondendo-lhes ou perguntando-lhes por seus pontos de vista e
respondendo-lhes aos pedidos de conselhos. Por exemplo,
Felipe Melanchthon
lhe escreveu perguntando como responder à acusação de que os
reformistas renegavam a peregrinação e outras formas tradicionais de
piedade. Lutero respondeu-lhe em
1 de agosto de
1521:
- "Se és um pregador da misericórdia, não pregues uma misericórdia
imaginária, mas sim uma verdadeira. Se a misericórdia é verdadeira, deve
penitenciar ao pecado verdadeiro, não imaginário. Deus não salva apenas
aqueles que são pecadores imaginários. Conheça o pecador, e veja se os
seus pecados são fortes, mas deixai que tua confiança em Cristo seja
ainda mais forte, e que se alegre em Cristo que é o vencedor sobre o
pecado, a morte e o mundo. Cometeremos pecados enquanto estivermos aqui,
porque nesta vida não há um só lugar onde resida a justiça. Nós todos,
sem embargo, disse Pedro (2ª Pedro 3:13), estamos buscando mais além um novo céu e uma nova terra onde a justiça reinará".
Seu quarto no castelo de Wartburg, em
Eisenach.
Enquanto isso, alguns sacerdotes
saxônicos haviam renunciado ao voto de castidade, ao mesmo tempo em que outros tantos atacavam os votos monásticos. Lutero, em seu
De votis monasticis (
Sobre os votos monásticos), aconselhava-os a ter mais cautela, aceitando, no fundo, que os votos eram geralmente tomados "
com a intenção da salvação ou à busca de justificação". Com a aprovação de Lutero em seu "
De abroganda missa privata (
Sobre a abrogação da missa privada), mas contra a firme oposição de seu
prior,
os agostinianos de Wittenberg realizaram a troca das formas de adoração
e terminaram com as missas. Sua violência e intolerância certamente
desagradaram Lutero que, em princípios de dezembro, passou alguns dias
entre eles. Ao retornar para Wartburg, escreveu "
Eine treue Vermahnung … vor Aufruhr und Empörung" (
Uma sincera admoestação por Martinho Lutero a todos os cristãos para que se resguardem da insurreição e rebelião). Apesar disso, em Wittengerg,
Carlstadt e o ex-agostiniano
Gabriel Zwilling
reclamavam a abolição da missa privada e da comunhão em duas espécies,
assim como a eliminação das imagens nas igrejas e a ab-rogação do
celibato.
Regresso a Wittenberg e os Sermões Invocavit
No final do ano de 1521, os
anabatistas de
Zwickau se entregam à
anarquia. Contrário a tais concepções radicais e temendo seus resultados, Lutero regressou em segredo a Wittenberg, em
6 de março de
1522. Durante oito dias, a partir de
9 de março (domigo de
Invocavit) e concluindo no domingo seguinte, Lutero pregou outros tantos sermões que tornaram-se conhecidos como os "
Sermões de Invocavit".
Nessas pregações, Lutero aconselhou uma reforma cuidadosa, que leve
em consideração a consciência daqueles que ainda não estivessem
persuadidos a acolher a
Reforma.
A consagração do pão foi restaurada por um tempo e o cálice sagrado foi
ministrado somente àqueles do laicado que o desejaram. O
cânon
das missas, devido ao seu caráter imolatório, foi suprimido. Devido ao
sacramento da confissão ter sido abolido, verificou-se a necessidade que
muitas pessoas ainda tinham de confessar-se em busca do perdão. Esta
nova forma de serviço foi dada a Lutero em "
Formula missæ et communionis" (
Fórmula da missa e Comunhão), de 1523. Em 1524 surgiu o primeiro hinário de
Wittenberg, com quatro
hinos.
Como aquela parte da
Saxônia era governada pelo
Duque
Jorge, que proibira seus escritos, Lutero declarou que a autoridade
civil não podia promulgar leis para a alma. Fez isso em sua obra: "
Über die weltliche Gewalt, wie weit man ihr Gehorsam schuldig sei" (
Autoridade Temporal: em que medida deve ser obedecida).
Matrimônio e família
Em abril de
1523, Lutero ajudou 12
freiras a escaparem do cativeiro no
Convento de
Nimbschen. Entre essas freiras encontrava-se
Catarina von Bora, filha de nobre família, com quem veio a se casar, em
13 de junho de
1525.
Dessa união nasceram seis filhos: Johannes, Elisabeth, Magdalena,
Martin, Paul e Margaretha. Dos seis filhos, Margaretha foi a única que
manteve a linhagem até os dias de hoje. Um descendente ilustre da
família Lutero é o ex-presidente alemão
Paul von Hindenburg.
O casamento de Lutero com a ex-freira
cisterciense
incentivou o casamento de outros padres e freiras que haviam adotado a
Reforma. Foi um rompimento definitivo com a Igreja Romana.
Anti-semitismo
Martinho Lutero foi anti-semita:
"A Alemanha
deve ficar livre de judeus, aos quais após serem expulsos, devem ser
despojados de todo dinheiro e jóias, prata e ouro, e que fossem
incendiadas suas sinagogas e escolas, suas casas derrubadas e destruídas (…), postos sob um telheiro ou estábulo como os ciganos (…), na miséria e no cativeiro assim que estes vermes venenosos se lamentassem de nós e se queixassem incessantemente a Deus". – "Sobre os judeus e suas mentiras" de Martinho Lutero.
O historiador
Robert Michael
escreve que Lutero estava preocupado com a questão judaica toda a sua
vida, apesar de dedicar apenas uma pequena parte de seu trabalho para
ela.Seus principais trabalhos sobre os judeus são
Von den Juden und Ihren lügen ("Sobre os judeus e suas mentiras"), e
Vom Schem Hamphoras und vom Geschlecht Christi
("Em Nome da Santa linhagem de Cristo") - reimpressas cinco vezes
dentro de sua vida - ambas escritas em 1543, três anos antes de sua
morte. Nesses trabalhos Lutero afirmou que os judeus já não eram o povo eleito, mas o "
povo do diabo". A sinagoga era como "
uma prostituta incorrigível e uma devassa maléfica" e os judeus estavam "
cheios das fezes do demónio,... nas quais se rebolam como porcos" Lutero aconselhou as pessoas à incendiarem às sinagogas, destruindo os livros judaicos, proibir os
rabinos de pregar, e apreender os bens e dinheiro dos Judeus e também expulsá-los ou fazê-los trabalhar forçosamente. Lutero também parecia aconselhar seus assassinatos, escrevendo "
É nossa a culpa em não matar eles."
A campanha contra os judeus de Lutero foi bem sucedida na
Saxónia,
Brandenburg, e
Silésia.
Josel de Rosheim (1480-1554), que tentou ajudar os judeus na Saxónia,
escreveu em seu livro de memórias a situação de intolerância foi causada
por
"(…) esse sacerdote cujo nome é Martinho Lutero - (…) seu corpo e
alma vinculada até no inferno!! - que escreveu e publicou muitos livros
heréticos no qual disse que quem ajudasse judeus seriam condenados à
perdição."
Josel teria pedido a cidade de Estrasburgo para proibir a venda das
obras antijudaicas de Lutero; porém seu pedido foi-lhe negado quando um
pastor luterano de
Hochfelden
argumentou em um sermão que os seus paroquianos deviam assassinar
judeus. O anti-semitismo de Lutero persistiu após a sua morte, ao longo
de todo o ano
1580, motins expulsaram judeus de vários estados luteranos alemães.
A opinião predominante entre os historiadores é que a sua retórica antijudaica contribuiu significativamente para o desenvolvimento do
anti-semitismo na Alemanha,e na década de 1930 e 1940 auxiliou na fundamentação do ideal do
nazismo de ataques a judeus. O próprio
Adolf Hitler em sua
autobiografia Mein Kampf considerou Lutero uma das três maiores figuras da Alemanha, juntamente com
Frederico, o Grande, e
Richard Wagner.
[39] Em
5 de outubro de 1933, o Pastor
Wilhelm Rehm de
Reutlingen, declarou publicamente, que "
Hitler não teria sido possível, sem Martinho Lutero"
Julius Streicher, o editor do jornal Nazista
Der Stürmer, argumentou durante sua defesa no
julgamento de Nuremberg "
que nunca havia dito nada sobre os judeus que Martinho Lutero não tivesse dito 400 anos antes". Em novembro de 1933, uma manifestação protestante que reuniu um recorde de 20.000 pessoas, aprovou três resoluções:
- Adolf Hitler é a conclusão da Reforma;
- Judeus Batizados devem ser retirados da Igreja;
- O Antigo Testamento deve ser excluído da Sagrada Escritura.
Diversos historiadores (entre os quais se destacam
William L. Shirer e
Michael H. Hart) sugerem que a influência de Lutero tenha auxiliado a aceitação do
nazismo na
Alemanha pelos protestantes no
século XX. Shirer fez a seguinte observação em
Ascensão e queda do Terceiro Reich:
"É difícil compreender a conduta da maioria dos protestantes nos
primeiros anos do nazismo, salvo se estivermos prevenidos de dois fatos:
sua história e a influência de Martinho Lutero (para evitar qualquer
confusão, devo explicar aqui que o autor é protestante). O grande
fundador do protestantismo não foi só anti-semita apaixonado como feroz
defensor da obediência absoluta à autoridade política. Desejava a
Alemanha livre de judeus (…) – conselho que foi literalmente seguido
quatro séculos mais tarde por Hitler, Göring e Himmler.
Por outro lado, especialmente Shirer recebeu críticas por essa sua observação, sendo acusado de não conhecer suficientemente a
história alemã e por ter interpretado incorretamente certos acontecimentos ou mesclado suas opiniões pessoas em seu livro.
Também os cristãos luteranos afirmam que a Igreja Luterana tem esse
nome em homenagem ao seu mais famoso líder, porém não acata todos os
escritos teológicos de Lutero, principalmente os escritos que atacam os
judeus. Desde os anos
1980, alguns órgãos da
Igreja Luterana formalmente denunciaram e dissociaram-se dos escritos de Lutero sobre os judeus. Em Novembro de
1998, no 60o aniversário de
Kristallnacht, a Igreja Luterana da
Baviera emitiu uma afirmação:
"é
imperativo para a Igreja Luterana, que sabe que é endividada ao
trabalho e a tradição de Martinho Lutero, de levar a sério também as
suas declarações anti-judaicas, reconhece a sua função teológica, e
reflete nas suas conseqüências. Temos que nos distanciar de cada
[expressão de] antissemitismo na teologia Luterana."
A guerra dos camponeses
A
guerra dos camponeses (
1524-
1525)
foi, de muitas maneiras, uma resposta aos discursos de Lutero e de
outros reformadores. Revoltas de camponeses já tinham existido em
pequena escala em
Flandres (
1321-
1323), na França (
1358), na Inglaterra (
1381-
1388), durante as guerras
hussitas do
século XV, e muitas outras até o
século XVIII.
Mas muitos camponeses julgaram que os ataques verbais de Lutero à
Igreja e sua hierarquia significavam que os reformadores iriam
igualmente apoiar um ataque armado à hierarquia social. Por causa dos
fortes laços entre a
nobreza hereditária e os líderes da Igreja que Lutero condenava, isso não seria surpreendente.
Já em
1522, enquanto Lutero estava em Wartburg, seu seguidor
Thomas Münzer,
comandou massas camponesas contra a nobreza imperial, pois propunha uma
sociedade sem diferenças entre ricos e pobres e sem propriedade
privada, Lutero por sua vez defendia que a existência de
"senhores e servos" era vontade divina, motivo pelo qual eles romperam.
Lutero, desde cedo, argumentou com a nobreza e os próprios camponeses
sobre uma possível revolta e também sobre Müntzer, classificando-o como
um dos "
profetas do assassínio" e colocando-o como um dos mentores do movimento camponês. Lutero escreveu a "
Terrível História e Juízo de Deus sobre Tomas Müntzer", inaugurando essa linha de pensamento.
Na iminência da revolta (1524), Lutero escreveu a "
Carta aos Príncipes da Saxônia sobre o Espírito Revoltoso",
mostrando a tirania dos nobres que oprimiam o povo e a loucura dos
camponeses em reagir através da força e a confiar em Müntzer como
pregador. Houve pouca repercussão sobre esse escrito.
Ainda em 1524, Müntzer mudou-se para a
cidade imperial de
Mühlhausen, oferecendo-se como pregador. Lutero escreveu a "
Carta Aberta aos Burgomestres, Conselho e toda a Comunidade da Cidade de Mühlhausen",
com o propósito de alertar sobre as intenções de Müntzer. Também esse
escrito não teve repercussão, pois o conselho da cidade se limitou a
pedir informações sobre Müntzer na cidade imperial de
Weimar.
O principal escrito dos camponeses eram os "
Doze Artigos",
onde suas reivindicações eram expostas. Neles havia artigos de fundo
teológico (direito de ouvir o Evangelho através de pregadores chamados
por eles próprios) e artigos que tratavam dos maus tratos (exploração
nos impostos, etc.) impostos a eles pelos nobres. Os artigos eram
fundamentados com passagens bíblicas e dizia-se que se alguém pudesse
provar pelas Escrituras que aquelas reivindicações eram injustas, eles
as abandonariam. Entre aqueles que se consideravam dignos de fazer tal
coisa estava o nome de Martinho Lutero.
De fato, Lutero escreveu sobre os "
Doze artigos" em seu livro "
Exortação à Paz: Resposta aos Doze artigos do Campesinato da Suábia",
de 1525. Nele, Lutero ataca os príncipes e senhores por cometerem
injustiças contra os camponeses e ataca os camponeses pela rebelião e
desrespeito à autoridade.
Também esse escrito não teve repercussão e, durante uma viagem pela região da
Turíngia, Lutero pôde testemunhar as revoltas camponesas, o que o motivou a escrever o "
Adendo: Contra as Hordas Salteadoras e Assassinas dos Camponeses", onde disse: "
Contras
as hordas de camponeses (…), quem puder que bata, mate ou fira, secreta
ou abertamente, relembrando que não há nada mais peçonhento,
prejudicial e demoníaco que um rebelde". Tratava-se de um apêndice de "
Exortação à Paz …",
mas que, rapidamente, tornou-se um livro separado. O Adendo foi
publicado quando a revolta camponesa já estava no final e os príncipes
cometiam atrocidades contra os camponeses derrotados, de modo que o
escrito causou grande revolta da opinião pública contra Lutero. Nele,
Lutero encorajava os príncipes a castigarem os camponeses até mesmo com a
morte.
Essa repercussão negativa obrigou Lutero a pregar um sermão no dia de
pentecostes, em 1525, que se tornou o livro "
Posicionamento do Dr. Martinho Lutero Sobre o Livrinho Contra os Camponeses Assaltantes e Assassinos", onde o reformador contesta os críticos e reafirma sua posição anterior.
Como ainda havia repercussão negativa, Lutero novamente se posicionou sobre a questão no seu "
Carta Aberta a Respeito do Rigoroso Livrinho Contra os Camponeses", onde lamenta e exorta contra a crueldade que estava sendo praticada pelos príncipes, mas reafirma sua posição anterior.
Por fim, a pedido de um amigo, o
cavaleiro Assa von Kram, Lutero redigiu "
Acerca da Questão, Se Também Militares Ocupam uma Função Bem-Aventurada", em
1526, com o propósito de esclarecer questões sobre consciência do cristão em caso de guerra e sua função como militar.
A discordância com João Calvino
No movimento reformista (também chamado de
Reforma), Lutero não concordou como o "estilo" de reforma de
João Calvino. Martinho Lutero queria reformar a
Igreja Católica,
enquanto João Calvino, acreditava que a Igreja estava tão degenerada,
que não havia como reformá-la. Calvino se propunha a organizar uma nova
Igreja que, na sua doutrina (e também em alguns costumes), seria
idêntica à Igreja Primitiva. Já Lutero decidiu reformá-la, mas
afastou-se desse objetivo, fundando, então, o
Protestantismo, que não seguia tradições, mas apenas a doutrina registrada na
Bíblia, e cujos usos e costumes não ficariam presos a convenções ou épocas. A doutrina luterana está explicitada no "
Livro de Concórdia", e não muda, embora os costumes e formas variem de acordo com a localidade e a época.
Falecimento
O ex-monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546) teve morte
natural, embora não haja um consenso entre o seus biógrafos acerca da
sua causa mortis. O historiador Frantz Funck-Brentano, por exemplo,
escreveu em sua obra "Martim Lutero":
"Os dois médicos, que o tinham tratado nos últimos momentos, não
puderam chegar a um acordo sobre a causa de sua morte, opinando um por
um ataque de apoplexia, outro por uma angina pulmonar."
A propósito, em 1521, por ocasião da Dieta de Worms (uma espécie de
audiência imperial), foi publicado pelo Imperador Carlos V o Edito de
Worms, pelo qual qualquer pessoa, ao menos teoricamente, estaria livre
para matar Lutero sem correr o risco de sofrer qualquer sanção penal, já
que, pelo referido Edito do Imperador, Lutero foi banido do Império
como um fora-da-lei. Por receio de que algo de mal pudesse acontecer a
Lutero durante viagem de regresso de Worms, Frederico III (ou Frederico,
o Sábio), Príncipe-Eleitor da Saxônia, ordenou que Lutero fosse
capturado e levado para o Castelo de Wartburg, onde estaria a salvo.
Provavelmente, foi por causa desse risco de morte que Lutero passou a
correr que seu amigo disse que "tentaram matá-lo". Encontra-se
sepultado na
Igreja de
Wittenberg em
Wittenberg.
Obras importantes
Foi o autor de uma das primeiras traduções da
Bíblia para
alemão,
algo que não é permitido sem especial autorização eclesiástica. Lutero,
contudo, não foi o primeiro tradutor da Bíblia para alemão. Já havia
várias traduções mais antigas. A tradução de Lutero, no entanto,
suplantou as anteriores porque foi uma forma unificada do
Hochdeutsch (dialetos alemães da região central e sul) e foi amplamente divulgada em decorrência da sua difusão por meio da
imprensa, desenvolvida por
Gutenberg, em
1453.
Lutero introduziu a palavra alleyn, que não aparece no texto grego original
no capítulo 3:28 da Epístola aos Romanos. O que gerou controvérsia.
Lutero justificou a manutenção do advérbio como sendo uma necessidade
idiomática do alemão como por ser a intenção de Paulo.
O
latim, língua do extinto
Império Romano, permanecia a
lingua franca
européia, imediatamente conotada com o passado romano unificado, sendo
também a língua da Vulgata traduzida por São Jerônimo no século V, tal
como tinham sido transmitidos às províncias do Império. Por mais
longínquas que fossem, nos menos de cem anos que separam a oficialização
da religião cristã pelo Imperador Romano
Teodósio I em
380 d.C. e a deposição do último imperador de Roma pelo Germânico
Odoacro, em
476 d.C. (data avançada por
Edward Gibbon e convencionalmente aceita como ano da queda do
Império Romano do Ocidente),
toda a região do antigo Império, ao longo dos seguintes 500 anos, e de
forma mais ou menos homogênea, se cristianizou. O fim da perseguição à
religião cristã pelo império romano se deu em 313 d.C. (Ver:
Édito de Milão,
Concílio de Niceia,
Constantino I,
A história do declínio e queda do império romano,
Santo Jerónimo).
No entanto, o domínio do
latim era, no
século XVI, no fim da
Idade Média (terminada oficialmente em
1453, com a tomada de
Constantinopla pelos
Otomanos) e princípio da chamada
Idade Moderna, apenas o privilégio de uma percentagem ínfima de população instruída, entre os quais os elementos da própria
Igreja.
A tradução de Lutero para o alemão foi simultaneamente um ato de
desobediência e um pilar da sistematização do que viria a ser a
língua alemã,
até aí vista como uma língua inferior, dos servos e ignorantes. É
preciso adicionar que Lutero não se opunha ao latim, e chegou mesmo a
publicar uma edição revisada da tradução latina da Bíblia (
Vulgata).
Lutero escrevia tanto em latim como em alemão. A tradução da Bíblia
para o alemão não significou, portanto, rejeição do latim como língua
acadêmica.
Foi também autor da polêmica obra "
Sobre os judeus e suas mentiras" (Von den Juden und ihren Lügen). Pouco conhecida, mas muito apreciada pelo próprio Lutero, foi sua resposta a "
Diatribe" de
Erasmo de Roterdã intitulada
De servo arbitrio (Título da publicação em português:
Da vontade cativa).
Martinho Lutero defendia o princípio da
mortalidade da alma contrastando com a crença de João Calvino, que chamou à crença de Lutero "
sono da alma".
Reabilitação de Lutero?
Segundo a Revista editada em conjunto pela
Igreja Evangélica Metodista Portuguesa e a
Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal,
Portugal Evangélico, em sua
edição nº 932, de
2008, o
Papa Bento XVI,
poderia vir a reabilitar Lutero. Segundo o texto, "Vozes autorizadas do
Vaticano adiantavam que o Papa reabilitaria Martinho Lutero
argumentando que nunca teria sido sua intenção dividir a Igreja mas sim
lutar contra os abusos e práticas de corrupção da mesma". E complementa
dizendo que "O
Cardeal Walter Kasper,
Presidente do
Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos,
antecipava que estas declarações dariam nova coragem ao diálogo
ecuménico e contradiriam, até certo ponto, as afirmações feitas em Julho
do ano anterior denegrindo a fé, a ortodoxa e protestante, ao não
considerar estes dois ramos do cristianismo como verdadeiras Igrejas".
Porém, nesse mesmo ano, o site
Agência Ecclesia, agência de notícias da Igreja Católica em Portugal, desmentiu essa notícia citando uma declaração do
diretor da
Sala de Imprensa da Santa Sé, padre
Federico Lombardi dada ao jornal britânico
Financial Times.
Segundo o religioso, essa afirmação “não tem nenhum fundamento” e que o
termo “reabilitação” nunca seria o correto neste caso. Depois dessas
notícias não houve mais informações até o momento sobre uma possível
reabilitação de Lutero pela Igreja Católica.
Declaração conjunta sobre a doutrina da Justificação pela Fé
Em
31 de outubro de 1999, foi assinada uma
Declaração Conjunta Sobre a Doutrina da Justificação pela Fé, redigida e aprovada pela
Federação Luterana Mundial e pela
Igreja Católica Apostólica Romana. O
preâmbulo do documento diz que a declaração
"quer
mostrar que, com base no diálogo, as Igrejas luteranas signatárias e a
Igreja católica romana estão agora em condições de articular uma
compreensão comum de nossa justificação pela graça de Deus na fé em
Cristo. Esta Declaração Comum (DC) não contém tudo o que é ensinado
sobre justificação em cada uma das Igrejas, mas abarca um consenso em
verdades básicas da doutrina da justificação e mostra que os
desdobramentos distintos ainda existentes não constituem mais motivo de
condenações doutrinais". A declaração pode ser resumida neste trecho:
"Confessamos
juntos que o pecador é justificado pela fé na acção salvífica de Deus
em Cristo; essa salvação lhe é presenteada pelo Espírito Santo no
baptismo como fundamento de toda a sua vida cristã. Na fé justificadora o
ser humano confia na promessa graciosa de Deus; nessa fé estão
compreendidos a esperança em Deus e o amor a Ele".